quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

sábado, 21 de outubro de 2023

 

MINHA SINA É SER FADISTA    

 

Quando minha mãe cantava

Eu no seu ventre escutava

Os fados que ela sabia

Escutava e logo aprendia.

Nasci corpinho rosado

No sangue…trazia o fado

 

docemente me embalava

E em voz terna trauteava

Cantigas de Portugal

Como era natural.

Ao som de tal cotovia

Eu por fim, adormecia

 

No dia do batizado

O meu corpinho molhado

Foi motivo de alegria

Enquanto o Padre benzia

Minha mãe em tom sentido

Murmurava ao meu ouvido…

 

Sara, é o Fado a tua sina

Por teres nascido menina

Está lançada a tua sorte

Do nascer até à morte

Está no teu sangue bairrista

Ser mulher e ser fadista

 

Guta santos

 

terça-feira, 24 de maio de 2022

 

INJUSTIÇA

 

No meu país naveguei

Entre ventos e procelas

Altas ondas cavalguei

Á paixão soltei as velas

Segui rotas que não sei

E andei perdido nelas

 

Com os meus dedos pisei

As cordas de uma guitarra

Ela gemeu, eu chorei

E o fado soltou a amarra

Senti saudade cantei

E lá fui saindo a barra

 

Levo comigo a saudade

A pátria no coração

Lisboa minha cidade

Meu amor, minha paixão

O meu orgulho e vaidade

E o fado como oração

 

De que serve ter lutado

Para servir o meu país

Vou dorido, amargurado

Sinto injustiça e traição

Quem me cortou a raiz

Retalhou-me o coraçã0

                                                                              

                          g.s.  01-12-2012

 

quarta-feira, 17 de maio de 2017

ONDE É QUE NASCEU O FADO ?    GUTA SANTOS - MARÇO de 2008   ( Entre acto teatral )( Entra embriagado e no decorrer da cena
                                                      vai ficando sóbrio )


                                                                                   
Seu perdão, minha senhora
Eu tenho a cabeça à nora,
Estou um pouco embriagado,
Mas não vou daqui para fora
Sem que alguém me diga agora
Onde é que nasceu o fado.
Já andei por tanto lado
Já corri meia Lisboa.
Gente nobre, gente boa…
Ninguém sabe…!  E eu estou estafado.

Alguém me disse afinal,
P’rós lados da Mouraria
Que toda a gente, dizia…
Foi na mourama que o tal,
Veio ao mundo coitadinho,
Muito sarnoso e magrinho.
Para fado, não estava mal,
Tinha de ser. Pobrezinho.

Um chinês de olhos em bico
Diz com a boquinha num nico:
Escuta aqui oh “patlão.”
Na Rua do Capelão…
Foi lá que o fado nasceu…!
Mas, convencido não fico.
Foi lá que o fado nasceu?
A rua era mesmo à mão
E lá fui, pelo sim pelo não.
--O “ Fado “  é já doutra era…
Talvez ali a Severa
Que o metia lá em casa
Saiba onde é que ele nasceu.
Coitada, quebrou a asa
Já lá não estava, faleceu.

Em frente, mora o Maurício
Perguntar foi desperdício
Também não me respondeu
Pudera, também morreu.
Fui-me embora aborrecido.
Com saudades do falecido.

E até a Mariquinhas
Me fechou as tabuínhas





Fui de frosques, chateado
Perguntar para outro lado
Onde é que o fado nasceu?…
Ninguém sabe, ninguém viu
Ou responder ninguém quis
Estarei no meu país ?
Não parece. Que sei eu!
Até a Rosa Maria
Nada sabia coitada
Também já está enterrada
E tinha tanta virtude…
A Senhora da Saúde
De tanta fé e desvelo
Ainda existe assustada
À espera do camartelo


Está aqui um berbicacho
Quem me manda ser borracho
Já estou farto desta história.
No  “Elevador da Glória”
Onde se chega num salto.
Zarpei para o Bairro Alto
Um bairro mal afamado ?!
Por aqui andou o fado,
E decerto aqui nasceu.


Numa tasca das antigas
Um grupo de raparigas
Não me soube responder.
--O Fado? Mas o que é isso?
Sei lá onde ele nasceu!
Oh Bacano, mas que frete,
Pergunta na Internet
No café aqui ao lado.
E lá fui contrariado

Fui de orelha à escuta
Segui aquele conselho
Se toda a gente computa…
Eu não, porque já estou velho!
Um rapazelho embirrante
Que devia ser estudante
Apontou-me em tom gozado.
--Quem responde ao seca-adegas
Que anda borracho e às cegas.
Onde é que nasceu o fado?

Sacanas, Ignorantes.
São estas coisas estudantes.
Mais respeito. Pode ser?
Eu sei bem que estou borracho
Não tem mais que fazer?
Sabem que mais?…O que eu acho…
Agora vou perguntar.
E quem me vai responder…?
Algum de vós sabe ler?


Já na Rua da Atalaia.
Perguntei a um tipo faia,
Mas de corpinho “ Danone “
Ia agarrado ao telefone,
De raiva até estremeceu.
Respondeu mal humorado
--Eu nem sei o que é o fado”
Sei lá onde ele nasceu!


Deves der americano.
Para esse lado vai tu,
Palhaço, cara de cu.
Gritei eu para o fulano
Chulo de merda, panela.
Para ser tão magricela,
Passas fome todo o ano.

Ai! É enorme Lisboa
Fui à Bica, à Madragoa
Ninguém sabe, que chatice
Se alguém sabia não disse.
Que pouca sorte esta a minha
Será que ele é alfacinha?
Há já quem diga que não.
Já nem é fado, é canção.
Onde nasceu afinal
A canção nacional?




Nacional? Uma treta!
Quem o ouve, quem o vê,
Na rádio, ou na TV. ?
Nunca chupou nessa teta.
Pudera, é pobrezinho.

Do Algarve até ao Minho
Todos adoram o fado.
Mesmo sendo um enjeitado
Coitado do fariseu
Que nem sabe onde nasceu.

Já sei! Ideia brilhante
Vou lá chegar num instante
Brilha por fim uma chama.
A sorte que Deus me deu
Foi nas vielas de Alfama,
Foi lá que o fado Nasceu!
Também não? Que arrelia!
Perguntei, ninguém sabia.
Aparece pela noitinha,
Sorrateiro, pé ante pé,
Bebe uns copos de Água-Pé,
Uma sopa de feijão,
Uma sardinha no pão,
Um pastel de bacalhau.
Trata-se bem  o marau!
Atira uma cantiga,
Aquela formosa amiga
E marcha de madrugada,
A reboque da alvorada.
Abre a boca num bocejo
De dia ninguém o vê.
Dizem que vai com a maré
De braço dado com o Tejo.

Já não caio noutra asneira
Vai passando a bebedeira
E já vejo mais claro
Que interessa onde nasceu
É do povo, é plebeu
Estudou, formou-se cresceu
Toca a vida para diante
É operário, emigrante.
É nobre, não arrogante
A ninguém é indiferente
Arrepia a pele à gente
Ouvir o fado menor.
Atirado em tom maior,
No corrido, delirante.
Batido, consola a gente
Fala de amor e ciúme.
Não só de dor e queixume.
Adorado no estrangeiro,
Tem corrido o mundo inteiro.
Do Canadá ao Japão.
Ao trinar de uma guitarra
Sujeita, domina agarra,
Leva a fama de roldão
Faz crescer o coração…






Ai meus senhores, vou parar.
Perdão. É só um momento…
Vou começar a chorar.
Que raiva, não aguento…

Eis o fado meus senhores
A ninguém deve favores
Castra-lo? Tinha que ver.
Já tentaram, podem crer.


Ponham colchas nas janelas
Baixem a luz, tragam velas
Vai andar pelas vielas
Ciúme, Paixão, pecado.
Desencontrados amores.
Façam silêncio senhores,
Que se vai cantar o fado





GUTA SANTOS
MARÇO de 2008


PESADELO

Se tudo não passou de um sonho atroz
Porque sinto acordado a mesma dor
E julgo ouvir ainda a tua voz,
Chamar-me entre caricias meu amor

Brincas-te com um amor puro e diferente
Por capricho insensato ou vil vaidade
Mas quem semeia ventos no presente
Amanhã colherá a tempestade

Sorverás como eu do mesmo fel 
Como eu arderás no mesmo inferno
Traíste a sua honra, foste infiel
A quem, no altar juras-te amor eterno

Roubei o que por lei lhe pertencia
Mas só esse pecado nos irmana
Fui sincero no amor dia após dia
E tu; Falsa, inconstante e leviana

Quando ele te abraçar com fúria louca
E matar nos teus lábios mil desejos
Não esqueças então que a tua boca
Ainda está molhada p’los meus beijos





                                  GUTA SANTOS
ONDE ANDASTE INTELIGÊCA

Onde andaste inteligência,
Perdida no nevoeiro?
Meus olhos… Ai que cegueira
De repente me atingiu
Tolhido de vil jumência,
Tapadinho por inteiro
mesmo olhando, não vi nada.
Não vi eu e ninguém viu,
Ou se viu, era ilusão
Uma quimera
fruto de imaginação.
Como eu cheguei a isto?
Como fiz tal confusão!
Foi um engano, está visto
Que só causou confusão.
Foi fazer acreditar
Que era ouro de lei
Quem não passa de latão,
Ou jóia de imitação.
Felizmente que acordei,
Tomei nota do engano
Levei nisso, mais de um ano
Mas não foi tempo perdido
A ilusão que criei:
Fez feliz por algum tempo
Um pobre ser, foi esmola
P´ra quem não bate da bola
E adora ser iludido
No fundo, até faz sentido.
O meu receio afinal
É que outro ocupe o lugar
o volte a enganar
E faça o pobre pensar
Que é o centro do mundo,
Dono de saber profundo,
Uma beleza sem par.
Assim jamais vai saber
Onde é o seu lugar

guta